Memórias

 A vida é dura! Mas mais dura sou Eu.

      Já vos aconteceu que vos parecesse que o cosmos e tudo mais conspiram contra si. Que a vida tema em vos atirar de volta para a estaca zero logo quando começava a levantar a cabeça. Já vos pareceu que estão no meio dum oceano de problemas em risco de se afogar e mesmo quando consegue vir à tona de água uma mão gigante e tortuosa vos afunda de novo nas profundezas do desespero.
      Pois isso é a história da minha vida. Mais, essa é a história de vida da minha família. Até parece que estamos amaldiçoados.
   
      Aos dois anos de vida vi a minha família a ir do ouro reluzente para o nada. Sim para o nada, nem a classificação de lixo se podia dar. Pois até o lixo tem algum valor. Ficamos literalmente com a roupa do corpo. Tudo por causa de uma guerra civil na antiga Rodésia. Vivia-mos lá na altura. A nossa casa foi saciada e queimada até ao chão. Obras de Arte valiosíssimas transformadas em cinzas os nossos pertences transformados em cinzas... Mas o pior de tudo, foi ver a minha cadela, a minha babá canina, toda desfeita e transformada em carvão. Os sacanas mataram-na a tiro de metralhadora e, não contentes com isso, atiaram-lhe o fogo. Pior ainda, foi ver o meu Pai em coma no hospital durante uns meses. E quando recuperou a consciência esteve outros tantos meses sem saber quem era ou de onde vinha. Ia vê-lo ao hospital com a minha mãe todos os dias. Os médicos aconselharam-nos a não apresarmos a recuperação da memória dele pois podia não correr bem. Que ele haveria de a recuperar gradualmente e para nós dar-mos tempo ao tempo. Com medo de piorar as coisas fingia que estava tudo bem na frente dele. entrava no quarto a brincar e sempre com boa disposição... mesmo quando ele tratou a minha mãe de menina bonita e lhe perguntou se eu era irmã dele. A minha mãe disse-lhe que eu era filha dela mas nem menção de eu ser filha dele para não o baralhar. E eu sempre com brincadeiras para o fazer rir e tentar distrair a minha mãe da situação. Quando não aguentava mais saia do quarto disparada para o corredor sentava-me no chão e chorava a bom chorar até a magoa diminuir o suficiente para eu encarar de novo as coisas numa boa. Depois enxugava as lágrimas sacudia a dor e entrava de novo com um sorriso e muita energia. Foi duro! mas sobrevivi e quando o meu pai se lembro de tudo eu abracei-o bem forte e disse-lhe que estava tudo bem. Que tinha estado doente mas que agora já passou.

      Aos cinco anos de idade, já tinha-mos atingido a categoria social de classe média alta com muito esforço... Veio a guerra do Ultramar. Estava-mos em Angola e atingiu-nos como um cilindro de pisar o alcatrão. Deixou nos sem nada. Fugimos para a Africa do Sul com uma mão à frente e outra atrás.
Chegamos a ter aramas automáticas apontadas à cabeça. Pensei que iria ser o nosso fim. Mas sobrevive-mos a mais uma prova que a vida nos deu. Mais um obstáculo passado.

      Em Julho de 1981 os meus pais decidiram voltar para Portugal de vez. Cheguei a um país revoltado com os retornados e a pesar de não ser uma retornada... Ponto 1: Os meus pais foram destacados para lá a mando do Estado português para dar formação aos nativos das colónias portuguesas. Ponto 2: Eu nasci em Moçambique como tal, no máximo seria uma imigrante. Mas nem isso porque sempre tive a nacionalidade portuguesa, sou filha de portugueses e nasci sob a bandeira portuguesa.
      Foi hostilizada, insultada perseguida nos primeiros dois anos cá. Que Deus os perdoe... aqueles que tanto mal me fizeram por sere xenofobes, preconceituosos e racistas. Mas passou. Já foi.
      Nunca mais podemos respirar fundo. A vida tem sido dura. Viemos de bolsos vazios e passa-mos por muitas dificuldades financeiras e não só.

      Neste momento estou a atravesar uma situação financeira difícil. Estou desempregada à longa duração... meti-me como revendedora da AVON desde meados de Maio. Mas não da para viver disso. Nem para lá caminha. Meti-me nisto porque preciso de arranjar um meio para pagar um aparelo dentário que uma das minhas filhas precisa... mas sem um rendimento que me permita negociar um pagamento parcelado... isso é impossível. Não posso contrair empréstimo e nem quero porque estou referenciada no Banco de Portugal devido a uma divida HERDADA (não a contrai mas como herdeira estou à pega). De qualquer maneira, desse tipo de "ajuda" não preciso. Peço 1000 € e acabo pagando 3000 € no mínimo, já se sabe. E os SPREDS só existem para aumentar a prestação nunca para a reduzir. O pai das minhas filhas está a braços com a prestação da casa... Supostamente a TAXA era fixa... mas só é fixa quando é para baixar, porque quando o SPRED aumenta a taxa sobe. Tenho uma pequena que precisa de sapatilhas pois as que tem já esta com um buraco na sola. pois em sei como vou fazer mas a menina está a sofrer com aquelas sapatilhas. Já lhe magoa o pé. Mas vou dar a volta por cima. Eu sou dura, sou uma guerreira, sou uma Fénix... vou virar este jogo... vou virar a mesa... vou vencer e vou elevar a minha família de volta à ribalta. Vou quebrar este enguiço dê por onde der. Sei que só posso contar comigo mesma, sei que a vida não me vai dar batatinhas... nunca deu, sei que ninguém vem em meu socorro...
      Mas vou vencer esta parada. Sou teimosa quanto baste. Vou vencer! Vou vencer! Vou vencer!


      Eu sou uma Fénix, renasço das cinzas com força renovada. Por muito que me queiram destruir eu dou sempre a volta por cima. Já estive à morte muitas vezes... ELA bem que quis me levar... Mas eu encarei-a e cá estou contra tudo e contra todos. A vida dá-me socos no estomago... mas eu sobrevivi e sobreviverei!



Irene Cruz

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